O que é o Trap?

-> A presente tradução é de minha autoria, TF-Guy. Ela é completamente amadora. Sintam-se à vontade para criticar a tradução e comentar o conteúdo da entrevista.

 Original: https://collectibledry.com/featured/what-is-trap-simon-reynolds-trap-music-criticism-dry-interview-classical-heretical-issue-9/


A fantasia de uma vida sem limites 

Simon Reynolds  conversa com Beatrice Finauro [entrevista originalmente realizada em 10/12/2018]



Nós encontramos Simon Reynolds em Milão, enquanto ele estava em turnê pela Itália em julho, para apresentar Post Punk, que foi republicado pela Minimum Fax. A escrita de Reynolds combina crítica cultural com jornalismo musical. Ele escreve continuamente sobre gênero, classe, raça e sexualidade em relação a música e cultura. Ele publicou uma série de livros sobre música e cultura popular, desde volumes históricos sobre Rave, Glam Rock e Post-Punk até obras críticas como 'Retromania: O Vício da Cultura Pop em seu Próprio Passado'. A tese de Simon é que o Rock, agora, apenas se alimenta de seu próprio passado e se quisermos encontrar qual música representa a contemporaneidade no seu melhor, então teremos que olhar para outro lugar. Logo que mencionei a entrevista, Reynolds disse que Trap é a sua música favorita já faz um tempo e ele está feliz em explicar porquê.

Trap é novo, disruptivo, é a negação absoluta da nostalgia no que diz respeito à música. Para mim, está além da cena musical da Assombrologia, experimentações eletrônicas, o Pop Hipanogético e a Vaporwave. Por outro lado – e eu não quero soar muito velha guarda aqui – a abordagem de alguns assuntos como mulheres, riqueza, darwinismo social, soa um pouco conservadora, não é? É hora de deixar para trás a ideia que subculturas trazem junto consigo algumas contribuições para à mudança?

Sim, Trap é absolutamente agora, usa fragmentos da história quando convém aos seus propósitos: uma faixa no Culture II tem um solo de Talk Box como uma coda, que é o Migos acenando para a história do processamento vocal  e especificamente para Roger Troutman do Zapp, e outra faixa soa como se tivesse vocoder em uma sessão, pelas mesmas razões, eu acho. Mas não tem nada da melancolia da assombrologia, Vaporwave, etc…

As letras são não-progressistas da mesma maneira que boa parte do Rap sempre foi. Rap Consciente sempre foi um interesse minoritário, frequentemente agradando mais a um público branco e universitário que o público hardcore e das ruas do rap. Rap simplesmente *é* ego, arrogância de macho alfa, exibição de riqueza, crime como uma realidade ou metáfora para uma vida sem restrições. Mulheres são tratadas como troféus ou sexualmente descartáveis. Machos beta, também conhecidos como haters, são humilhados e derrotados (clichês sem fim sobre tratar a sua esposa como minha puta). Rivais são derrotados numa guerra de todos contra todos. O paralelo com a política atual é claro – há uma razão pela qual Rae Sremmurd fizeram uma música chamada ‘Up Like Trump’. A identificação de Kanye West com Trump faz todo o sentido. Mas realmente, o Rap é apenas americano em sua essência, sua ideologia é vá atrás de seus sonhos e você não pode errar (a grande mentira/sonho americano, sua duradoura carta na manga ideológica e truque de confiança). Vencedores vencem porque eles desejaram com mais vontade, perdedores perdem porque eles não têm a atitude positiva correta. Riqueza é para ostentar.

Progressistas podem recuar e rejeitar o rap por esses valores ou podem ouvi-lo pela incansável criatividade com que esses temas e fantasias são reescritos. Você também pode ouvir rap precisamente como um diagrama psicanalítico do desejo capitalista, a ideologia americana desnudada, enquanto você também admite a si mesmo o poder de sedução dessas fantasias.

Você também pode ouvi-lo como a voz do orgulho masculino negro e sua grandeza de espirtito em face à uma sociedade que os desvaloriza e os humilha. Isso não necessariamente será expresso de uma maneira progressista ou liberal, mas essa raiva e orgulho estão lá. Estou escutando Migos agora e eu acabei de ouvir a letra ‘foda-se o sistema’. Eu venho dizendo essas coisas sobre Rap, literalmente, desde o começo da literatura sobre Hip Hop, em 1986 – num artigo chamado ‘Garotos Problema’. De certa forma, nada mudou desde Schoolly D e LL Cool J. Mas, a música continuou evoluindo e também os flows, a linguagem, etc. A muito tempo penso que há uma conexão entre atitudes socialmente regressivas e emoções e atitudes musicalmente progressistas. O que chamo de Vanguarda Lumpem.

Então, para usar uma de suas definições, você vê um Contínuo?

O contínuo é o Hip-Hop, ele não para. Eu pensei que ele estava ficando sem ideias várias vezes anteriormente (a última vez foi em 2009), mas vou tentar não cometer esse erro outra vez. Até que a sociedade americana mude, as razões pela qual o Hip-Hop existe se manterão e perpetuarão. Na medida que outros países se americanizem, i.e tornem-se pós-socialistas, Rap e Trap vão ressoar e inspirar versões locais.

Trap é uma heresia, um novo cânone clássico ou as duas coisas ao mesmo tempo?

Por um lado, Trap é apenas rap – o bom e velho Gangsta Rap, parte 12. Se você ouvi-lo com uma certa distância, não ouvirá nada que não tenha ouvido antes. Mas, mergulhe na música e você ouvirá um conjunto de micro-inovações. A maioria delas no domínio vocal – o uso criativo do autotune e outros processadores vocais, a emergência dos ad libs como um comentário antifonal ou reforço do vocal principal, a confusão do rap com o canto, de modo que você não consegue distinguir entre fala rítmica e trilos melódicos. As outras inovações são do domínio da personalidade  – nunca houve uma personalidade e presença vocal como a do Future, Young Thug  ou Cheif Keef.

Adam Harper definiu as características da estética Hi-Tech vs estética Indie. Eu acredito que alguns dos atributos Hi-Tech, como uma severa visão do futuro, sendo excessivo, decadente e agressivo, são originalmente ligados por Harper à artistas como James Ferraro, Laurel Halo e Oneohtrix Point Never, também podem ser atribuídos ao Trap. Do outro lado, nós temos o reino supostamente aconchegante, benigno, arcaico e, eu diria, sem vida do Indie ao qual o Trap se opõe. Na sua opinião, quais são os principais atributos do Trap e onde ele se encontra no ecossistema contemporâneo?

Os elementos supostamente paródicos da Vaporwave ou Hi-Tech/Hi-def – para mim, eles empalidecem em relação à realidade que está sendo transmitida pelas rádios mainstream. Quer dizer, a hiper-realidade da coisa, um estilo de vida que é fantástico, psicótico. O que poderia ser mais insano ou mórbido que a subjetividade em um álbum do Drake ou uma música do Kanye? O Rap'n B mainstream negro está mais à frente sonicamente e em atitude que qualquer coisa produzida pela boêmia branca de internet. O papel deles é redundante. Rap e R&B, Travis Scott, The Weeknd, Cardi B, Migos: já são o Simulacro, já são a decadência. Eu os chamo de Weimar'n B.

Trap abrange desde a fórmula original, como a praticada por Gucci Mane, T.I, Young Jeezy, até a de Ebenezer, influenciado por R&B e Gospel, até Drill londrino, etc… E cada país tem a sua própria versão. Há um ponto em comum, regras ou normas que se cruzem entre os diferentes tipos de Trap?

Há certos padrões de batida que se repetem (mas também uma surpreendente diversidade de grooves e sensações). Você pode ligar o Trap à sons do início do ano 2000 como Crunk e Bounce de Nova Orleães – a ideia do Dirty South – até selos como Cash Money. Eu acho que se há duas coisas que definem todo o Hip-Hop do séc. XXI é que ele não usa samples com frequência e ele quebra com a abordagem de breakbeat do Hip-Hop clássico da Costa Leste. As batidas são programadas e estão relacionadas com uma tradição de longa data do Hip-Hop do sul dos Estados Unidos que estava enraizada nas drum machines e Electro dos anos 80. Trap é parte disso, assim como o som do Ratchet, onde DJ Mustarf foi pioneiro. Mas, em um sentido mais amplo,  é tudo  Trap, é tudo Gangsta Rap, é tudo Rap. Há uma continuidade absoluta, uma mudança igual, para citar Amiri Baraka.

Por que o Trap tem tanta influência sobre os jovens?

Os Jovens querem algo que seja sentido como um agora e que pertença a eles, e o Trap é o mais intoxicante e convincente candidato para esse papel. A maioria das outras formas de música jovem são estáticas ou excessivamente obscurecidas por heranças e história.

A outra coisa é que o Trap é uma das poucas músicas atuais que transborda prazer e energia disruptiva. Trap – especialmente Migos e Young Thug, mas o gênero como um todo – é extático. Os artistas parecem extasiados por eles mesmos, em um redemoinho de êxtase e glória. Pense no sentimento da "Black Beatles" do Rae Sremmurd. O fato que o tropo deles para aquele sentimento de excesso, triunfo e deleite é o estrelato Rock diz alguma coisa. O Trap está suprindo aquilo que os jovens recebiam do Rolling Stones ou Led Zeppelin: a fantasia de uma vida sem limites.


Comentários